Texto: Yorranna Oliveira
Fotos: Yorranna Oliveira e Eduardo Santos
Seu João Alexandre Trindade da Silva, de 49 anos, foi o primeiro a participar da construção da obra “Humanidades” na manhã desta sexta-feira (29), na Feira do Ver-o-Peso em Belém. Entre uma venda de ervas e outra, ele dava palpites, receitas, contava histórias do lugar e incentivava os fregueses, passantes e colegas da Feira a deixar um pedacinho do Ver-o-Peso na tela do projeto “Vidas, Gentes e Outros Desenhos”. O projeto foi idealizado pelo artista plástico paraense Maciste Costa e tem o patrocínio do Banco da Amazônia.
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Olhares de homens e mulheres sobre a maior feira ao livre da América Latina |
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Ver-o-Peso pelo olhar de seus personagens |
Com um lápis na mão, o feirante deixou sua assinatura na obra “Humanidades”, última tela da exposição “Vidas, Gentes e Outros Desenhos”, que poderá ser vista pelo público de 23 de maio a 29 de junho no Espaço Cultural Banco da Amazônia, em Belém.
O evento durou a manhã toda e, ao final, a tela já estava preenchida com os desenhos, assinaturas e contribuições dos trabalhadores da Feira do Ver-o-Peso. Além de ser exposta com os outros trabalhos do projeto “Vidas, Gentes e Outros Desenhos”, a tela “Humanidades” terá um poema de mesmo nome como acompanhante na exposição.
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Maciste (de blusa preta) explicando o projeto para um vendedor |
Treze telas compõem o projeto. Cada uma retrata, através de ilustrações feitas com lápis e aguada tinta acrílica sobre tela, cenas da maior feira a céu aberto da América Latina. Cenas sob o olhar de Maciste Costa, que fez os desenhos das doze telas da exposição e deixou a última para ser concebida pelos próprios personagens da Feira. Gente que se conhece há anos e faz do Ver-o-Peso casa, família, sustento e escola.
“Eu nunca estudei. Mas aprendi a ler e escrever aqui. O cara que não aprende no Ver-o-Peso, não aprende em lugar nenhum”, opina o vendedor de ervas Fábio Luiz da Silva, de 35 anos. Fábio convive com o ritmo da Feira desde os 10 anos de idade, quando vinha com avô acompanhá-lo na venda de ervas e aprender o negócio da família.
Na tradição do Ver-o-Peso, as famílias reinam absoluta no setor de ervas, onde o conhecimento é repassado ao longo do tempo entre os membros da prole, numa arte de vender sonhos e desejos em essências que prometem até milagre, como o sabonete afasta chifre do seu João Trindade, o mais vendido da banca.
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Venda de ervas, sabedoria popular que atravessa gerações |
“Não podia ser espanta chifre, porque corno é que nem cachorro sem vergonha, quanto mais a gente chuta ele sai chorando e volta. Eu não podia colocar o corno no mesmo nível do cachorro, por isso esse aqui é afasta chifre”, explica o erveiro, exibindo o produto feito a partir do chifre do “Boi Totó”. Boi da Ilha do Marajó, segundo ele.
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João Alexandre Trindade da Silva. 26 anos de trabalho no Ver-o-Peso |
E seu Trindade garante que o sabonete, vendido por R$ 3,00, faz sucesso tanto com os homens quanto com as mulheres. “Uma vez vendi 31 sabonetes para uma senhora de Minas Gerais. Ela levou para os funcionários dela, porque ela tinha constatado que a produção deles caiu por causa do chifre”, conta.
Durante a composição da tela ‘Humanidades’, a eterna rivalidade entre os clubes do Remo e Paysandu também se fez presente. Tião do Leão tratou logo de desenhar na tela o escudo do time favorito.
Enquanto os bicolores questionavam a competência do clube, Sebastião Cerejo Teles, 45 anos, delineava os traços do brasão do Clube do Remo e sem pensar duas vezes defendia com respostas na ponta da língua.
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Sebastião Cerejo Teles, o Tião do Leão |
“Que ‘fuleira’ o quê? Esse é o melhor time do mundo”, afirmava ele, entre o ar sério e um sorriso maroto no canto da boca. Coisa de quem há 25 anos trabalha vendendo ervas e já se habituou com as provocações dos adversários. No Ver-o-Peso, chamar o outro pelo time contrário é ofensa grave. Ainda mais se for na família do Tião. Lá, todo mundo torce para o Remo, e ninguém teve ainda peito e coragem de se bandear para o outro lado.